quinta-feira, 7 de julho de 2011

MICHÉLE SATO - ORÁCULO DE VITÓRIA

         Recentemente, conheci um oráculo de sentidos polissêmicos, onde corredores, chão e paredes assimilavam contornos labirínticos de beleza sensível. O passeio pela casa, jardim e mundo, evoca a lembrança Shakespeariana da tragédia, pornografia, infernos e algumas expressões artísticas eram macabros. E simultaneamente havia comédia, erotismo, espiritualidade e leveza na estética da Vitória Basaia. Belo e Feio desfilavam imbricados, como se no contraforte do diverso, as cores, os relevos e os sentidos se misturassem numa tensiva proposição da ordem na desordem. Meu olhar fenomenológico assistia a dança dos contrários, mas ultrapassando o olhar, convidava a ressignificar meu próprio mundo. A linguagem filosófica ocorria através das pinturas e esculturas espalhadas em cada pedacinho do território Basaiano, como se fosse “um universo numa casca de noz”. A matéria bruta tornou-se viscosa, e se Manoel de Barros transforma a lesma em poesia, Vitória Basaia também tem talento em transformar o feio em belo em suas expressões da arte. Assim reconheci em Vitória Basaia, uma filósofa que emana seus pensamentos através da arte, tal qual o belga surrealista, René Magrite.
No holofote de suas luzes, guarda-chuvas avelhantados tornam-se aranhas, geladeiras velhas ganham roupas novas na pintura filosófica, as garrafas plásticas não se destinam aos lixões e nem os brinquedos antigos escapam da organização de formas e relevos, do prazer erótico desta leitura que acontecia no jardim, na voz da artista, nos cantos de seu oráculo e no prazer do momento. Talvez não fosse um texto institucional, mas emanava uma metalingüística que transcendia o ser, com liberdade para interpretar o trabalho subterrâneo da arte. As narrativas paralisam em alguns momentos, como se permitisse o invisível e o silêncio da transcendência de valores e não apenas de forma, assinalando o desejo impetuoso da revolução. Parecia que os bonecos sentados em cada parte da casa narravam seus testemunhos na esperança sem limites, e embora o prazer e a dor de Eros e Thanatos se evocassem conjugadas no ciclo inacabado da vida e morte, a transformação da matéria emitia uma energia grandiosa da beleza.
Filosofia e arte lutam contra a satisfação carnal, sorvendo a flor e o orvalho, os tons e semitons do espírito ao milagre da transformação. O oráculo de Vitória soa como a revelação de Fernando Pessoa: “tanto a arte como a ciência, é uma confissão que a vida não basta”. A linguagem poética é metafórica, mágica e feiticeira. Convida-nos a submergir  e emergir no plano cotidiano e grandioso, e no limite do mundo, transcender o próprio sonho. A filosofia Basaiana é singular, pois nenhuma obra é igual a outra. Há sua marca indelével de olhar o mundo, que também se transmuda nas variações das temáticas, na interpretação orgástica dos símbolos, no voyeurismo obsessivo de sua esperança, ou na sensualidade de seu convite.
Na escuridão da noite, não há centros, nem periferias que resistam as vozes murmurantes da consciência – os fantasmas espreitam nos relâmpagos ad mediocridade, e juntamente com as luzes dos raios, conseguem denunciar a desventura planetária. Nem o erotismo noturno consegue escapar das armadilhas, pois a ironia do dualismo é mais inexaurível: as máquinas do mundo se contrapõe e se espelham no crepúsculo da aurora que auncia a claridade de um novo dia. Considerar a arte Basaia, é também reconhecer que situamo-nos no epicentro da filosofia que de novo nos leva á ambigüidade, pois toda a alteridade é dramática, porque chamada á comunhão para continuar sendo, nunca pode ser de entrega total.
No paradoxo de seu nome, Vitória não cria para ganhar, mas trabalha obsessivamente para a inclusão de todos, e não de si própria. Por alguns instantes, parece querer a solidão de seu isolamento etéreo, e simultaneamente transcende seu próprio oráculo para manter a distinção o o limite indelével de não poder nunca ser todos. Na solidão rumorosa de seu percurso, entre família, amigos e admiradores, a arte de Vitória Basaia revela uma linguagem filosófica que ressignifica o mundo.

MICHÈLE SATO é educadora ambiental  fascinada pelas expressões artísticas, com especial ênfase no surrealismo. Com 18 livros publicados, teve a honra de ser finalista do prêmio Jabuti em 2006, na categoria educação e psicologia. É professora e pesquisadora da UFMT (Educação) e da UFSCar (Ecologia), tendo vivências em várias áreas do conhecimento. Um destaque no seu currículo revela a amizade com a família da Vitória Basaia, pois a aprendizagem constante com esta maravilhosa família é um saber infinito.
Texto de 02 de abril de 2006

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